sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Por que Votar em Dilma 2014?

A realidade é mais complicada do que um esquema bem contra o mal. No entanto, não raro, momentos históricos aparecem de um jeito terrivelmente simples. E essa simplicidade está bastante aquém do desejado. A frustração é imensa. Isso é patente na atual eleição presidencial. Nós intervimos na vida no estado em que ela se encontra, não como gostaríamos que ela estivesse ou, mais ainda, como ela fosse.

Nesse sentido, voto Dilma

E faço isso sem peso ou maiores neuras. A minha crítica, à esquerda, ao governo atual está aí, não mudo uma linha. Mas a questão é bastante elementar, um candidato é Dilma, o outro é Aécio. E não adianta me convencer, por esforços retóricos, que são a mesma coisa. Não são. Tanto no aspecto biográfico quanto político -- inclusive de seus partidos e de sua base social.

Dilma, quando jovem, estava enfrentando a repressão militar; Aécio, na mesma idade, colhia as benesses de ter pai e avô políticos, com grande influência. O projeto que Dilma encampa, bem ou mal, tirou e tira milhões da pobreza e da miséria. Aécio apenas alude a um liberalismo bem brasileiro, o qual não larga o osso do Estado e está pouco comovido com os mais pobres -- a base política que o envolve, pior ainda.

A política capitaneada por Lula e Dilma nos últimos doze foi, por sinal, fazer o óbvio, priorizar os mais pobres, os excluídos. Em uma dimensão social e econômica, sim, melhoramos. O Brasil se inseriu no plano internacional em harmonia com força, mas sem antagonizar com as outras nações. A delicada construção de uma América do Sul, e uma América Latina, mais unida não foi um esforço qualquer -- tampouco a aproximação com a África e a Ásia. 

Dilma pegou um mundo em crise, mas não sacrificou salários, empregos ou programas sociais. Em outra borda, avançou com temas como o Marco Civil da Internet. Num sentido contrário, qual o compromisso de Aécio com a liberdade de imprensa, com a liberdade na rede? Nenhum.

Aécio emerge com um projeto que, a rigor, é a mesma coisa que deu errado nos anos 1990, cercado, ainda, por uma nuvem de tags péssima. A sua base de apoio, torno a insistir, me assusta. Uma hora são os nordestinos os culpados, outra hora, é ato de cultura que reúne o Coronel Telhada (?!). A proposta que Aécio defende sobre a redução da maioridade penal é, sem dúvida, um absurdo contra os direitos humanos. O que tem feito Aécio para segurar seus radicais?

Isso não quer dizer que Dilma ou o PT não tenham cometido erros importantes. Cometeram sim. Sobretudo porque tem dificuldade em lidar com o Brasil novo que eles próprios ajudaram a criar. Mas Aécio certamente está pouco entusiasmado em manter esse Brasil; seu ministro da fazenda escolhido, e anunciado, de antemão já fala em um receituário "duro" e "impopular", afinal, o salário mínimo estaria alto.

A questão nem é moral, é científica mesmo: em que sentido o consumo dos pobres é a razão da crise brasileira? Se consomem, graças a programas sociais e aumento salarial, movimentam a economia. O que nos interessa mexer nisso? Porque uma medida boa, para "acertar a economia", teria de ser impopular?

E, naturalmente, não é possível, com uma política de cortes de benefícios sociais -- dos pouco que temos -- governar sem um estado policial mais endurecido do que este em que já vivemos. Ademais, Aécio acena de outro lado, falando que os programas sociais não vão acabar. Mas quem mente, ele ou seu ministro da fazenda? Muito embora o jovem Neves jamais tenha falado que não vá arrochar os empregos e os salários. 

Ainda, no saldo das atuais eleições, não foi apenas o PT que pagou. O PSOL, embora tenha crescido um pouco, ocupa um espaço aquém do que um partido programático como ele merecia. O mesmo vale pela a esquerda de um modo geral. Assombra o avanço de pequenas agremiações de aluguel ou, até mesmo, radicais de direita.

Tudo dentro de um contexto histórico que, paradoxalmente, confirma muitas das antevisões da esquerda: o agravamento da crise ambiental, a impossibilidade do capitalismo existir sem crises ou sem sacrificar a democracia e a paz etc etc. Nunca a esquerda se provou tão certa, mas nunca sua vida foi tão difícil. 

2014 é a primeira eleição democrática na qual o peso relativo das esquerdas diminuiu. Ainda que se aponte que hoje as coisas se enveredem pela crítica antissistêmica -- expressa na abstenção eleitoral, votos em branco ou nulo, o movimento de negação, deslegitimação e destituição em geral --, o fato é que isso não raramente se coloca com a consistência constituinte razoável. Há momentos pontuais, o que quase sempre se esvai e se atomiza.

A luta pela constituição de um país mais democrático, dentro e fora do sistema como ele é, exige muito trabalho. Não é uma tarefa fácil, sem dúvida. Ganhe Dilma ou Aécio, o futuro disso está nas mãos dos variados setores que a compõem. Isso não cairá do céu, muito menos sairá do plano de um governo.

Não voto nulo porque não acredito que seja de um governo sim mais conservador, como o que propõe Aécio, e ainda com viés de política de austeridade, vá representar um cenário melhor para a democratização do Brasil. Ou igual, que seja. A austeridade só gerará mais violência -- de Estado e difusa --, o que alimenta a fascistização. O trabalho será duplo num cenário desses.

E, como ensina a história, nada vem do nada. Nada emerge do nada. Voto sim Dilma, sem esperança ou medo, desespero ou vontade de segurança. Voto, justamente, porque não espero de um governo [do Estado] não a salvação, mas que atrapalhe menos a nossa vida. 



2 comentários:

  1. Para mim, a grande questão da esquerda hoje é a questão indígena, sintomaticamente ignorada no texto que busca justificar o voto "crítico", mas sem neuras, na candidatura Dilma. Falo da questão indígena não como dívida histórica ou como humanismo romântico, mas simplesmente como a questão que envolve a própria definição do que é humano. A ideia de inclusão social em alinhamento com a lógica de mercado limita a própria ideia de humano, e é essa ideia que domina o pensamento "progressista" e que conduz o texto (passando da redução das desigualdades econômicas ao lugar do Brasil no mundo). Compreendo o voto em Dilma, claro, sobretudo por conta do grande impasse que é a ausência de alternativas políticas organizadas (o poder tem suas lógicas e é muito conveniente reduzir a nossa escolha irrevogavelmente a duas representações). O voto em Dilma, aliás, reclama ser realista, maduro, crítico, não simplificador, embora o texto declare que a realidade agora é "terrivelmente simples". Não acho. A realidade agora foi terrivelmente simplificada, e não à toa. O voto só seria crítico se formasse um "movimento" para além das eleições também, do contrário, é adesismo (na prática é adesismo eleitoral, crítico ou não, resignado ou não, o voto é um consentimento). Passadas as eleições, então, resta o Congresso mais conservador ainda do que o passado (cuja CDH, por exemplo, teve como presidente um Bolsonaro!) e os imperativos das alianças do PT para a governabilidade se impõem como realismo etc, e o voto crítico assume toda a sua virtualidade, despoderado (até pq, nesse segundo turno, o PT não fez nenhuma, nenhuma mesmo, concessãozinha à esquerda). Mas não é simples mesmo: nas lutas à esquerda, há profundos desacordos tanto sobre objetivos de longo prazo quanto sobre táticas de curto prazo, que se refletem em dois grandes debates fundamentais: o primeiro, sobre as eleições versus transformação real (envolvendo esse realismo citado); o segundo, sobre desenvolvimentismo versus mudança de paradigma, envolvendo essa concepção de humano, cuja limitação exclui, por exemplo, os indígenas (pelo menos das lembranças mais imediatas). Ah, mas "sem crescimento econômico não é possível enfrentar as desigualdades do mundo". Aos pragmáticos, isso. Mas e às esquerdas? Não é função da esquerda expor as questões que, precisamente, estão soterradas pelo pragmatismo, pelo realismo mais imediatos na política? Acho que esse "voto crítico" seduz como um tipo de zona de conforto, e também reafirma que as forças políticas na sociedade dependem de consentir com uma das candidaturas (a menos pior), traduzindo que qualquer pensamento político de resistência, de potência e de ação à esquerda só podem ser realistas se legitimam, sem contrapartida nenhuma, a força de um partido (de um projeto, como queira) no poder há mais de uma década., tudo em nome de se colocar contra a "ameaça da direita". Nessas eleições, não voto em nenhuma das candidaturas, mas admito que estamos num mato sem cachorro, porque Aécio representa um retrocesso grande até diante do retrocesso dilmista. Mas até que ponto, a esquerda deve se perguntar, consentir com o governo PT é mais realista do que se perguntar: até que ponto o PT contribui com, e é responsável por, esse mesmo retrocesso? À esquerda cabe a simplicidade, mas escapar das simplificações impostas por jogos de dominação dos quais as eleições participam. O voto crítico tem feito poucas críticas nesse sentido: por força da "realiadade", tem adotado o adesismo, e não a crítica. (Fabricio r.)

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    1. É uma boa questão, Fabricio r. -- com a qual, aliás, eu me deparo a todo momento. Eu só não voto nulo desta vez porque (1) de fato as candidaturas não são iguais, não estão no mesmo barco, Aécio é sim pior do que Dilma (2) do mesmo mesmo modo que o "voto crítico" -- veja, eu não utilizei o termo, para mim todo voto é voto-voto em alguém -- exige algo mais, uma "contrapartida", o voto nulo exige também, mas eu não vejo qual seria a consequência gerada a mais com um movimento de anulação neste momento -- no máximo, deslegitimação do sistema sem constituir nada no lugar. Acredite, eu sou o primeiro na fila para ver o PT ir à esquerda ou, na falta disso, novas formas de esquerda -- ou forças democratizantes, libertadoras, chame como quiser -- surgirem e se afirmarem, mas é preciso fazer um esforço para constituir isso. E na falta disso, é preciso agir taticamente. Se Dilma perder, o que acontece? Aécio entra. Simples assim. Eu passei os últimos quatro anos nas frentes em que eu atuo, empregando tudo que eu sei e posso fazer, para a realidade em 2014 ser melhor do que em 2010. Mas não foi. A conjuntura posta, inclusive resultante do emprego da minha força e dos meus, é esta. E é nela que eu intervenho. E intervenho menos por uma reforma no sistema -- reformas sim, mas para ganhar tempo -- e mais por uma transformação mais profunda. Nesse sentido, será que com um Aécio no poder não seria melhor? Eu acho que não por dois motivos. Porque a presença dele e o consequentemente endurecimento do estado policial e de arrocho econômico vão colocar os movimentos sociais na defensiva mais ainda. A hipótese da destruição criativa não está a nosso favor.

      abraços

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