domingo, 1 de maio de 2011

O primeiro Primeiro de Maio de Dilma e a Dívida sem Fim



O vídeo acima trata-se do pronunciamento da Presidenta Dilma Rousseff para o (seu primeiro) Primeiro de Maio, veiculado em rede nacional na última sexta-feira. Uma fala precisa tecnicamente e sóbria, como lhe é peculiar. O discurso poderia ser resumido em duas palavras: Desenvolvimento e Democracia - de onde ela parte para elencar quatro desafios-chave; qualificar mão de obra, resolver o nó górdio da infraestrutura, crescer de forma "harmônica e sustentável" (isto é, sem inflação) e erradicar a misériaUm discurso bem articulado, não resta dúvida, que expôs bem o que é o Governo Dilma, seja por sua forma - a precisão técnica e o cuidado metódico na identificação dos grandes problemas, a propositividade etc - ou por seu conteúdo - tanto pelo seu lado bom, a concepção de que a vida de todos deve ser garantir e é sim possível construir uma coexistência social para melhor, quanto pelo lado ruim, a crença no desenvolvimentismo, na incessante "marcha harmônica do Brasil para o futuro".

Dilma alude a um progressismo de esquerda, que elogia o Trabalho e homenageia os trabalhadores, mas não deixa de falar na sociedade por suas categorias de renda no lugar de classes sociais - em parte por didatismo, em parte por falta de clareza no raciocínio; a perspectiva da necessidade de qualificação educacional para o trabalho não é de todo desarrazoada, a história ensina que é preciso ter ganhos de produtividade ao lado do aumento da massa salarial e do nível de emprego para que a economia não superaqueça e não abra flancos para os teóricos do desemprego (que usam o superaquecimento como álibi para a defesa de um exército de reserva maior, isto é, mais desemprego como é do interesse de quem eles estão a soldo), mas é preciso ir muito além, a educação precisa conceber um...sentido histórico ao processo educacional...é preciso educar as pessoas para que elas sejam muito mais do que trabalhadores melhores, senão nunca vamos sair da armadilha educacional na qual estamos presos e que esvazia o potencial transformador da nossa democracia.

A Inflação, não resta dúvida, trata-se do grande problema que se impõe no tempo presente.  A tendência de aumento de preços pode ser uma das inerências da economia capitalista, mas o tamanho dessa tendência é variável conforme determinadas situações e estamos expostos a um pico nesse momento, seja por causas externas - a saber, o aumento do preço do petróleo fruto da ofensiva dos especuladores, que se usam da instabilidade política no mundo árabe para valorizar seu produto e, também, a irresponsável emissão de moeda feita pelo Governo Obama - ou, por problemas internos que vão além das decorrências naturais do boom de crescimento econômico e dizem respeito, atentem para isso, a pontos que passam, misteriosamente desapercebidos no debate econômico como, por exemplo, os velhos mecanismos de correção monetária que geram suas pequenas bolas de neve uma vez provocados - a inflação sobe, vem a correção que alimenta um novo aumento e assim por diante -, os velhos problemas infraestruturais do Brasil - um modelo extremamente dependente de estradas de rodagem - e um, em particular, que parece bastante incômodo : o grau de concentração de mercado que existe na nossa economia.

Estamos sim mais expostos a picos inflacionários que boa parte das economias parecidas com a nossa, portanto a taxa de juros de curto prazo (a Selic) - o índice que remunera as operações financeiras cujos pagamentos são realizados a prazo, tais como empréstimos e compra a prazo - torna-se um instrumento fundamental para o controle de preços no curto prazo e, pelas circunstâncias, acaba alcançando um tamanho superior à média mundial - pois funciona como um freio em relação ao consumo e às expectativas de consumo, aumentando estoques e fazendo com que os preços desacelerem, como a necessidade disso é grande, logo, a Selic torna-se maior que as demais taxas pelo mundo mesmo. Isso, frise-se, não deixa de ter um custo econômico, posto que o Estado remunera os títulos da dívida de acordo com o valor da taxa de juros. Mas juros são uma medida de curto prazo que temos insistido há muito tempo por falta de pró-atividade na regulação da economia - menos por esse governo e o anterior, muito mais por todos os outros e pelo legado da ditadura militar e seu sistema industrial oligopolizado.


É claro que o problema é muito maior como nos lembra Marx. Como disse, a tendência inflacionária é problema crônico do Capitalismo, ela só pode ser controlada, mas não eliminada definitivamente, a importância de enfrentar o problema aqui e no agora é que o processo inflacionário incide sobre majoritariamente sobre a renda salarial por sua natureza peculiar - e só relembrando os velhos Deleuze e Guattari, as rendas oriundas do Trabalho e do Capital podem ser reduzidas à axiomática da moeda, mas, na verdade, só podem ser medidas por grandezas diferentes. Tem mais, a simples existência de uma taxa de juros alude um problema central do sistema capitalismo: a dívida infinita decorrente da impossibilidade dos trabalhadores realizarem o valor; isto é, as próprias pessoas que produziram os bens não têm dinheiro para compra-los, pois sua produção é explorada (a massa salarial é inferior ao valor da produção, a renda do capital acaba economizada e não serve ao consumo de todos bens produzidos que restam por ser comprados no mercado), logo, as operações de longo prazo tornam-se uma necessidade e não fruto da escolha das pessoas.


Nesse sentido, as pessoas permanecem trabalhando - na quantidade e nas condições estipuladas por quem detém os meios de produção - porque estão "endividadas" permanentemente, o que é curioso, pois se elas são alijadas da riqueza que produzem, depois, é preciso dar-lhes condições para que elas, inconscientemente, realizem aquele valor, mas a riqueza social lhes é retornada na forma de uma dívida sem fim - algo que não nasce no Capitalismo, mas lhe é anterior como bem aponta Nietzsche. Nesse sentido, a própria língua portuguesa é particularmente bem-sucedida, pois graças a herança galega - xuros -, ela refuta o uso do radical latino interes -como na maior parte das principais línguas europeias, exceto o russo e o alemão - e remete - como pontua o economista Eduardo Gianetti - a um tipo de dívida perpétua que o soberano pagava a um particular na Galícia da Idade Média. Claro, pela perspectiva econômica de Gianetti - diametralmente oposta a nossa -, o enfoque dado é outro, mas o que nos interessa aqui é questão filológica mesmo, a enorme felicidade que os portugueses - que em seu jovem reino criaram o capitalismo financeiro e mercantil já no século 13º - tiveram em relacionar o que seria essa espécie de remuneração com uma noção de dívida infinita - dessa vez, do particular para o sistema, infinitamente, o que não resta dúvida, é perfeitamente compatível com a realidade do Capitalismo.

Juros menores, menor endividamento e mais liberdade - ou menos sujeição, para ser mais realista. Assim mesmo, esquematicamente. Mas se por outro lado os preços aumentam violentamente, a liberdade se esvai por outro buraco, pela perda do poder de compra salarial. E a tendência de aumento dos preços bem como a necessidade da dívida estarão ali como realidade imutável do Capitalismo. O ganho de produtividade da mão de obra por meio de capacitação (técnica), a melhoria de rodovias e estradas de ferro e a diluição de oligopólios, em uma perspectiva tática, controlam a doença porque tornam sistematicamente sustentáveis os movimentos de aumento do nível de emprego e da renda oriunda do Trabalho - fatores que não exaurem o Capitalismo, mas enfraquecem a sujeição que ele produz e fertilizam o terreno para que a transformação seja feita (e não se faça, como creem alguns).

A Presidenta Dilma acerta em parte (relevante) do diagnóstico, mas não tem em vista escapar do Capitalismo, mas sim dar-lhe face humana ou, no máximo, supera-lo por meio de um auto-esgotamento causado pelo desenvolvimento intensivo dos meios de produção - pelo progresso -, o que me parece distante e equívoco. Não, quando defendi meu voto aqui para a Dilma, não o fiz por auto-engano como parte da esquerda anti-capitalista o fez, tampouco, deixo de apoiar o Governo em exercício por sua inequívoca ausência de ímpeto revolucionário, meu ponto é muito mais simples do que isso: as políticas petistas bem ou mal garantem uma expansão dos instrumentos de garantia da vida (em quantidade e intensidade), apesar dos seus equívocos todos, mesmo que no limite ela seja insuficiente para garantir uma verdadeira emancipação humana, seus meios - e suas próprias colateralidades - também não impedem que essa libertação seja produzida, é preciso força-lo a não se desviar, mas é preciso também arregaçar as nossas mangas para fazer as coisas acontecerem aqui-agora, aproveitando-se dessas circunstâncias históricas.


Feliz Dia dos Trabalhadores para Todos








4 comentários:

  1. Interessante. Mas o que Dilma parece providencialmente ignorar é que esse modelo de desenvolvimento é incompatível com a democracia.

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  2. Eu acho que na democracia (não à toa chamada de) representativa cabe, infelizmente, muita coisa, Pádua...

    abraços

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  3. Hugo, você acerta em tudo o que vê, seus apontamentos e a sua lógica não são para serem refutados.

    Mas sinto falta de um confronto entre o ser e o deve ser. Já apontei isso em outro comentário, este outro sobre a política da diplomacia petista.

    Sinto falta de uma crítica ao que é possível fazer dentro da estrutura macro do Capital, um reconhecimento de que dentro da ordem mundial e dos mecanismos de dominação existentes o governo faz o que pode. Um apego no sistema que permite que hajam brechas e que permite estas serem até alargadas. Mas que não dá chances que se abram as portas com chutes.

    Em meu modesto sentir, o império hoje está com mais força e mais poder que na época do Jango.

    Saudações fraternas.

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  4. Obrigado, Tiago, mas como eu já te disse, eu não adoto uma perspectiva bipartida da realidade - na qual uma ontologia conviveria com uma deontologia, o que me parece um tanto absurdo, afinal, toda e qualquer obrigação é de natureza, ao meu ver, ficcional. Eu estou falando sobre aquilo que eu entendo como possível (ou não) e sobre aquilo que tomo por necessário. Hoje, a julgar pela crise no Capitalismo, eu não teria evidências empíricas sequer para bancar uma posição na qual a existência dele seja naturalizada. Dentro de como eu vejo a correlação de forças políticas atual, honestamente, defendo muitas das medidas do governo atual, mas acho que elas precisam ser aprofundadas - mesmo dentro de um caráter tático. A educação é uma delas, a questão da concentração de mercado, outra. É preciso coordenar o processo de aumento do nível de emprego e de renda salarial sem deixar que um superaquecimento o comprometa - e isso exige, como exposto, muito mais do que o uso desenfreado do mecanismo de juros. Isso é possível. A visão desenvolvimentista é, por seu lado, um caminho, não o caminho. E ninguém está falando em dar chutes na porta. Por fim, os EUA são um país em grave crise e, por isso, talvez seja mais perigoso do que em outros tempos, mas não mais forte.

    abraços

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