domingo, 20 de fevereiro de 2011

O Verdismo e o Nosso Tempo

As Flores de Bazarov -- retirado daqui
A Crise Econômica Mundial, ainda em curso, é um dos processos mais intrigantes da História: Embora ela tenha provocado um tremendo alarde quando se iniciou, logo veio o silêncio - e não arrisco em dizer que mais se cala do que se fala seja sobre seus efeitos, imaginem só sobre suas causas. Sim, porque ela não significa apenas um abalo no edifício das verdades majoritárias como também balançou as certezas, por assim dizer, "contra-hegemônicas". O fato é que o consenso imperante caiu por terra sem, no entanto, nada - de melhor ou pior - surgir em seu lugar, o que gera um quadro de apreensão e ansiedade. De onde estamos saindo, onde poderemos chegar? A pax americana acabou tão rápido quanto começou e não sabemos para onde vamos; a nau bateu nos rochedos, os que não se foram na desdita estão agarrados em suas tábuas de salvação - e há quem relute em aceitar que elas são apenas e tão somente isso: Uma pequena chance de chegar à terra firme.


No mundo rico, o que se vê na esteira da erosão do consenso político é a ascensão, quase que por inércia, da extrema-direita; o primeiro momento em que uma luz apareceu no fim do túnel nos últimos tempos foi agora, com a multidão de revoluções no mundo árabe, o que nos tirou de uma anestesia profunda cujos efeitos, quem sabe, possa ajudar a despertar os (antigos) países cêntricos do seu pesadelo. Claro, para além do esgotamento do modelo econômico, temos, também, uma crise ambiental que se opera de forma mais silenciosa ainda. Não, nós não estamos apenas às voltas com problemas nas vigas que sustentam a nossa Casa, mas também com um problema dentro dela mesma, em seu próprio ambiente. Mas não, também não se trata, frise-se, de dois problemas separados: As rachaduras na parede e as constantes confusões dentro da Casa se interrelacionam enquanto efeitos da atividade que é realizada ali dentro. Algo, em sua esquizofrenia, abala desde as estruturas da casa e, ao mesmo tempo, abala seu ambiente.


É um pouco do que fala Guy Debord em O Planeta Doente, artigo de 1971 publicado recentemente no Sopro. Em suma, ele fala do impacto da forma como os homens se organizam - não somente sobre a sua sociedade, mas também sobre aquilo que a sustenta, a saber, a própria natureza. Como anota Debord, o ambientalismo, já àquela época, estava na moda, mas é claro que os problemas ligados à poluição passavam bem longe de meras saídas administrativas, onde o Estado capitalista - ou sua tentativa de alternativa, os Estados socialistas burocráticos do Leste Europeu e da Ásia - mudariam isso ou aquilo e superariam o empecilho. É evidente que essa problemática passa por decisões políticas que tocam sim o cerne do sistema produtivo, sem concessões nem eufemismos. Discorde-se ou não de certos aspectos subsidiários da análise de Debord, o fato é que o desenrolar das coisas se deu na direção que ele anteviu. 


Àquela época, um novo grande consenso começa a ser edificado, ele considera sim os problemas ambientais, mas enquanto ameaça ao Capitalismo - ou melhor, à "Economia".  É também nos anos 70, um ano depois do artigo de Debord, que a ONU entra na parada com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), mais uma das infernais boas intenções das Nações Unidas, cuja finalidade é resolver os problemas segundo as regras do velho universalismo. Isso também coincide com ano do nascimento do movimento verde na Austrália, o que se espalha pela Europa na mesma década e chega, nos anos 1980, ao Brasil. Ainda que o verdismo nasça com uma proposta libertária, ele se vê permanentemente rondado pelo espectro do ambientalismo conservador, teses de crescimento zero - o que favorecia, por óbvio, quem já é desenvolvido - e o mais roto neo-malthusianismo possível - e suas capciosas teses sobre o excesso de população.


No Brasil, o verdismo surge no Rio de Janeiro, tocado por militantes anti-Ditadura que encamparam a questão ambiental, normalmente posta de lado pela esquerda tradicional - campo político em relação ao qual também se afastavam pela sua oposição ao bolshevismo e suas variantes. Falo de gente como Sirkis, Minc, Gabeira e tantos outros. Muito do conteúdo esquerdista do partido se dilui com o tempo, seja pela maneira como ele se expande pelo país - o verdismo, por sua natureza, é um movimento aberto, o que o faz ter predominâncias variadas pelo mundo, o que se verifica na composição do partido no Brasil também - ou por não ter conseguido se colocar de maneira clara em relação à questão social, talvez do mesmo modo que a esquerda tradicional jamais tenha conseguido realmente encarar a questão ambiental frontalmente, como aborda Alexandre Nodari - o que, ressalto cá do meu lado, no Brasil possui um complicativo maior em relação à Europa, aqui, o elemento plebeu, da massa mestiça das periferias e do campo, não é das coisas mais fáceis de se decifrar, item em relação ao qual, sem dúvida, o PV brasileiro falhou.


O PV brasileiro segue um tanto erodido até que ocorre o ingresso de Marina Silva para disputar a Presidência, o que o coloca de novo nos holofotes, algo relevante depois dos anos 90 o ter condenado, aparentemente, a ser um pequeno - o que, no entanto, nem a votação gigantesca de Marina parece ter mudado. A questão é para onde esse verdismo vai ou pode ir, seja aqui ou no mundo. Neste exato momento, para muito além de um surrado Deep Ecology, ascende um verdismo de mercado que parece bastante sedutor agora, onde falar em "economia criativa" e numa saída clean para as contradições sociais - se é que elas vão ser levadas em consideração. O que nos resta? Mercadificar a temática ambiental e construir todo um circuito de consumo de bens ecologicamente corretos, instituindo, quem sabe, todo um sistema complexo e eficiente de trocas de créditos de carbono? Levando em consideração que a atual Crise Econômica, longe de ser um mera sazonalidade - antes de mais nada, ela é efeito de um problema agudo na própria realização do valor -, vemos que o buraco é mais embaixo, por mais que isso nos ajude a lidar com nossas culpas, isso não parece ajudar a fazer muito mais do que isso.


De fato, cá ficamos com as linhas gerais do velho Debord, longe de ser ingênuo, a eficiência da produção administrada pelos próprios trabalhadores e o fim de uma perspectiva de ciência alienada são as únicas chances de enfrentar uma situação que, por sua vez, antes de ensejar um neo-malthusianismo, nos diz exatamente o contrário: Existem bocas de menos para o que se produz, se elas terminam mal-alimentadas é porque há algo de verdadeiramente perverso no sistema econômico, o que se torna problemático se essa produção excessiva, ainda por cima, oneram o meio-ambiente. Não será uma volta a uma espécie de essencialismo naturalista, um platonismo qualquer, que mudará isso, tampouco será a social-democracia aparentemente triunfante como via política que nos salvará; a ideia curiosa de um Estado que explora um sistema perverso, corrigindo suas falhas e se aproveitando da sua capacidade de produzir, além de não passar de um paliativo político-econômico, não será capaz de deglutir as toxinas produzidas por esse sistema que, por seu turno, envenenam aquilo que sustenta a própria vida.


São tempos interessantes esses, para além de uma crise no nosso modo de vida (uma crise econômica), se opera uma crise que põe em xeque nossa própria vida (uma crise ecológica). Cá no Brasil, o PT ainda é um raro exemplo de esquerda com pés na realidade social que o engendrou - ainda que tenha caminhado em uma direção ruim nos últimos anos, me parece a única alternativa relevante ao tecnocratismo kautskyano - e, talvez por isso, conseguiu mudar a ética de funcionamento do Estado tornando a garantia da vida de todos bem mais que um interesse refratário, mas precisará encarar com mais seriedade a questão ambiental - o que passa por mais coisas do que se pode supor.  Se, em um primeiro momento, seria ótimo que o PT unisse sua prática social-democrata a um ambientalismo decidido - assim como seria se Marina conseguisse dar um caráter social-democrata ao PV -, o desafio que está posto no horizonte é mais complicado do que isso: O único meio de salvar o meio-ambiente é traçando como fim para tal atividade a preservação da vida, o que não coincidirá com a preservação do Capitalismo. A dificuldade disso, diante da própria crise crônica no nosso sistema político, não é pequena, mas a boa luta nunca deve deixar de ser lutada.



2 comentários:

  1. Tô me lembrando de uma tira dos Malvados, em que refugiados de guerra vão para uma fronteira e dizem "deixe-nos passar, somos seres humanos", e os guardas respondem algo como: "por isso mesmo, se fossem bovinos já estariam dentro". Desse ponto de vista, parece que os recursos naturais são mais valorizados que os seres humanos, mas quando se pensa no lado ideológico, ocorre o contrário: qualquer causa que envolve o ser humano tem repercussão ideológica (seja para o espectro de lá ou de cá), mas para salvar árvores, animais, não há repercussão.

    Nesse exato momento me cai a ficha que os dois casos (ignorar refugiados na fronteira e ignorar o meio ambiente no debate ideológico) têm algo em comum: simplesmente ignoraram o que dá trabalho enfrentar!

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  2. Não sei se eles ignoram, Celião, mas que eles passam por cima, sim, eles passam por conta da disfuncionalidade inerente ao funcionamento do sistema - ou menos do que isso, dos seus próprios projetos.

    abraço

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