segunda-feira, 21 de junho de 2010

Dicas de Livros: Negri/Hardt e Deleuze/Guattari

(Toni Negri, foto retirada daqui)

Ontem, enquanto internetava após o jogo do Brasil, deparei-me com boas dicas de livros. A primeira, veio pelo twitter do João Telésforo, por conta do qual eu parei no Outras Palavras, mais especificamente numa resenha sobre Commonwealth, o novo trabalho de Toni Negri e Michael Hardt - a mesma dupla de Empire. Conheço lateralmente a obra dos dois e espero, quando terminarem as infinitas provas - que nunca se acabam, muito embora acabem comigo - para seguir com minhas leituras de Spinoza e chegar na obra dos dois - assim como em Deleuze, sobre o qual falarei logo em seguida. Em se tratando dos dois - e da excelente resenha - estamos falando de coisa boa, segue um trecho:


"Para fazer bom proveito de Commonwealth, não é preciso recorrer à obra pregressa da parceria Negri e Hardt. O livro arremata os dois anteriores e amadurece as suas questões, problemas e conceitos. Se o robusto estofo filosófico é assegurado pelo intelectual padovano de 76 anos, a prosa fluida, simples e atlética é tributária de Michael Hardt – professor de literatura de língua inglesa. Indicado, portanto, para quem desgosta de penosos e herméticos livros de filosofia e concorda com Ortega y Gasset: “a clareza é a cortesia do filósofo.” Hardt, por sinal, é autor de uma das mais límpidas introduções ao pós-estruturalismo francês (Gilles Deleuze: um aprendizado em filosofia, 1993).



Um amor que mobiliza a cidade dos homens,



é combinação produtiva de desejos e afetos








passa longe da família, carreira profissional e nação



Voltando ao texto, Commonwealth resgata Dante e sua noção de vita nuova. Esta se realiza na comunhão de amor que mobiliza a cidade dos homens em busca da autonomia, da riqueza e da igualdade. Amor nada sentimental, que se desdobra ética, estética e politicamente. Cupidez que é causa e consequência, em ciclo virtuoso, da liberdade e potência de cada um, na sua combinação produtiva de desejos e afetos. Portanto, amor que passa longe da família, da carreira profissional e da nação – três vilões a bloquear o comum e expropriá-lo em nome de felicidades atrofiadas, impotentes e socialmente desiguais. A família corrompe-o pela exclusividade afetiva, hierarquia paternal, narcisismo filial e mecanismos de transferência de propriedade. A carreira profissional compromete-o pela alienação do trabalho, o individualismo, o controle patronal e a concepção unidimensional de tempo. E a nação pela homogeneização das diferenças, a imposição das maiorias, a xenofobia intrínseca e os ideais abstratos de glória, sacrifício e destino coletivo."


Um dos conceitos mais fantásticos em Spinoza é o amor, cuja construção se dá sobre o legado do pensamento de Leão Hebreu - cuja obra tem significativa influência sobre a sua, ainda que Spinoza refute a ideia da divisão entre corpo e alma - e consiste, grosso modo, em um afeto pelo qual nos ligamos a um determinado objeto que reconhecemos como capaz de aumentar nossa força de existir e, mediante o qual, ampliamos a nossa potência de agir - e assim nos aproximamos mais de nos realizarmos, o que consiste no gozo de uma alegria constante, a suma felicidade ou beatitude. Esse afeto "que mobiliza a cidade dos homens" é a base necessária para a construção do Estado Democrático, afinal, Spinoza não era contrário às instituições, mas defendia - tal como faziam os círculos racionalistas da Holanda de sua época - uma espécie de organização política institucionalizada que combinasse - e assim concretizasse - o seu ideal social ao seu ideal libertário: Falamos em um artifício astucioso que cumpriria a dupla função de garantir a vida em grupo - haja vista que as paixões são inerentes ao homem - realizando seu ideal social e, ao mesmo tempo, construindo um ambiente suficientemente livre para que os cidadãos pudessem se expressar e assim se realizar - sendo o Estado Democrático aquele onde os atritos entre o corpo estatal e a multidão acabariam sendo mais facilmente absorvidos, sendo ele, portanto, a forma de organização política mais sustentável e efetiva (note, a ideia de multidão se difere da ideia de povo, o conjunto das pessoas que vivem em grupo não reduzidas a uma determinada unidade, mas sim compõem uma espécie de conjunto ambivalente que, simultaneamente, é cada um e todos). É em cima dessa concepção, conjuntamente com a reflexão econômica radical de Marx, que levam Negri e Hardt a verem o amor como uma força econômica - logo, transformadora da economia, ora dominada por um sistema que frustra a realização do potencial dos indivíduos e, por tabela, da própria sociedade.

A outra dica, que eu pesquei no excepcional a Navalha de Dali do Murilo Côrrea, não é menos relevante: Trata-se da nova tradução de O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia de outra grande dupla, Gilles Deleuze e Felix Guattari - igualmente conhecedores da obra do velho polidor de lentes de Amsterdã - pelas mãos de Luiz Orlandi:









 Este é um livro revolucionário, em múltiplos sentidos. Não só porque seus autores o escreveram sob o influxo de Maio de 68, mas sobretudo porque seu alvo é compreender e libertar a potência revolucionária do desejo, dinamitando as categorias em que a psiquiatria e a psicanálise o enquadraram.
     No centro do conflito está a concepção freudiana do inconsciente como teatro e representação — e sua pedra de toque, o drama de Édipo. Para Deleuze e Guattari, ao contrário, o inconsciente não é teatro, mas usina; não é povoado por atores simbólicos, mas por máquinas desejantes; e Édipo, por sua vez, não passa da história de um longo "erro" que bloqueia as forças produtivas do inconsciente, aprisiona-as no sistema da família e assim as remete a um teatro de sombras.
     Com agilidade impressionante, O anti-Édipo combina dispositivos da filosofia, da literatura, da antropologia, da arte, da economia, da ciência, da política e da biologia — além de um sem-número de alusões e citações que correriam o risco de passar despercebidas não fosse o trabalho rigoroso do tradutor Luiz B. L. Orlandi, que dotou esta edição de valiosas notas informativas —, para articular uma crítica radical da cultura que acabou por definir uma das linhas de força do pensamento contemporâneo.


Vale a pena conferir.

2 comentários:

  1. Hugo
    Vc fala em Spinoza e nele acho muito de Epicuro.
    Mas aqui estou para cumprimentá-lo e passar esse endereço:
    http://www.zemaribeiro.blogspot.com/
    onde vc. pode encontrar:
    A BATALHA DE MANÉ

    Nascido em Santa Inês, na região do Pindaré, Gildomar Marinho é bancário e músico, não necessariamente nessa ordem. Artista multifacetado, lançou Olho de Boi, seu primeiro disco, em 2009. Está em Fortaleza/CE, onde ora reside por conta do ofício de bancário, em estúdio gravando Pedra de Cantaria, a ser lançado ainda este ano.

    Entre as faixas deste segundo trabalho, Batalha do Cerrado, tributo a Manoel da Conceição, com música e letra bastante elogiadas pelo pequeno círculo que tem tido o privilégio de ouvi-la antes de seu lançamento (a faixa já pode ser ouvida e baixada em seu myspace). [Nota do blogue: a música foi composta antes da patacoada do diretório nacional do PT e de mais este ato de bravura de Manoel da Conceição]

    Se o compositor já conhecesse a decisão do diretório nacional do PT, que oPTou, no último dia 11 de junho, por entregar o partido no Maranhão à governadora biônica, filha do presidente (do senado), certamente teria acrescido aos versos-pergunta “Me diz, ó Mané.../ o que é que tu quer?” o verso-resposta “Que o PT não se entregue para o coroné”. (Zema Ribeiro)

    BATALHA DO CERRADO

    Gildomar Marinho

    Mané anda lento
    Mané vai à roça
    Mané vai à luta
    Mané filosofa:

    Um boi, dez posseiros
    Um dono, mil bois
    Na luta por cerca
    Não sobra pros dois

    Mané fez da perna
    Uma queda de braço
    Um dedo em riste
    Ao rei do pedaço

    É da Conceição
    De tantas Marias
    Mané rebeldia
    Mané liberdade

    Mané foi chamado
    De vil comunista
    Mané natureza
    Mané humanista

    Mané quer os meios
    De o pobre ser rico
    De muita cultura
    Pro Zé e pro Chico

    Me diz, ó Mané
    O que é que tu quer...

    Comida pro Chico
    Cultura pro Zé

    Farinha de puba
    Beiju e café

    Futuro pro povo
    La no Pindaré

    A mata nativa
    Do cerrado em pé

    Piaba no fogo
    Pimenta e chibé

    Em noite de lua
    Um bom cafuné

    (Toada de Cesar Teixeira, feita para e cantada pelo movimento Vale Protestar, de resistência e combate à oligarquia; entre seus frutos, hoje, o valoroso Vias de Fato)

    Há como ouvir a toada, se entrar no blog do zema ribeiro.
    Esse povo do Maranhão não está de brincadeira, não! Nas férias de julho irei por lá para ver isso de perto!E mando notícias de lá!
    Tudo de bom.
    Venceremos!
    Aline

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  2. Aline,

    De Epicuro em Spinoza existe o veio central do naturalismo, ainda assim, a maior influência sobre sua sobra mora em Zenão de Cítio e dos velhos estóicos. Isso se demonstra, por exemplo, pela maneira como Spinoza enxerga a questão do prazer: Ele deve ser visto como meio e não fim da nossa ação - e o mesmo vale para a honra e o enriquecimento conforme se vê no começo da Tratado da Correção do Intelecto. Outro ponto central que os diferencia, entre tantos outros, é a questão do atomismo, enquanto a física de Epicuro é indutiva e se orienta do individual para o coletivo - característica presente na obra de Descartes e dos filósofos liberais -, a de Spinoza é o contrário, ela vai do todo para a parte - que é identificada por meio de um processo de dedução.

    Ademais, além da evidente influência estóica, Spinoza também foi influenciado pelo misticismo judaico medieval - ainda que tenha rompido com seus paradigmas - e, claro, pelo racionalismo. Em outras palavras, Spinoza influenciou um bocado Marx ainda que não tenha adentrado na questão econômica, mérito incontestável do filósofo renâno - cuja tese de doutorado foi justamente sobre a filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro, os dois grandes estandartes do atomismo da antiguidade, o que mais tarde serviu para fundamentar sua crítica ao pensamento liberal. Há muito de Epicuro no pensamento hedonista e, claro, no liberalismo clássico e no que veio depois.

    Muito bacana esse seu compartilhamento, aliás. Não há como conduzir a luta sem produzir cultura e escapar ao ressentimento - natural e explicável - pela via da afetuosidade, da amorosidade simples e profunda - como Negri nos lembra no seu livro - em contraposição à beleza falsa que o sistema socializa para privatizar o pão. É necessário tocar o coração, mais até do que convencer pelas razões - é mais efetivo e simples.

    um beijo no coração

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