domingo, 20 de setembro de 2009

Um olhar cego sobre um canto mudo.


Drawing Hands by M. C. Escher, 1948

Se
O Filósofo algum dia esteve certo - e eu suspeito que ele estava certo sobre muito do que falava -, só é possível amar aqueles que um dia poderemos odiar e só odiamos aqueles que um dia amamos. A verdade, meus caros, é que estou enlouquecendo - e só pode haver loucura onde um dia existiu sanidade e só há sanidade onde um dia poderá haver loucura. Essa minha sanidade, no entanto, sempre se mostrou particularmente frágil, creio que ela nunca passou de um miquinho de circo andando num monociclo que caminha sobre um fio de nailón - que, por sua vez, liga a vida à morte.

Há alguns dias passei por uma experiência - não, eu não fumei, mas suspeito ter tragado -, que me fez pensar sobre o quanto as coisas não fazem sentido, mas se não fazem é porque um dia, quem sabe, poderão fazer. É particularmente interessante, ressalte-se, que isso esteja acontecendo também com muitas das pessoas que me cercam, ainda que por motivos diferentes: Talvez isso seja por culpa minha ou porque haja algo grande demais irradiando insanidade pelos poros. A ética se afigura, no fim das contas, como o elemento de mediação entre as nossas razões e as nossas paixões, mas e se não conseguimos ser tão racionais e as nossas paixões são insaciáveis?

As luzes do cinturão de Orion brilham como três sóis que me fazem perceber o quanto eu não posso desaparecer porque, de certa forma, sempre estive aqui e, portanto, sempre estarei - só resta saber como terminará esse breve sonho conhecido como vida, o momento onde a matéria, de repente, toma consciência - e o que é a consciência senão a transcendência do ser? -; é nesse breve instante que ela olha a Criação e a Criação a olha de volta - como diria um certo poeta russo, onde haveremos de morrer, no chão do campo de batalha ou singrando o cosmos? Todos nós queremos que o arco-íris que se materializa por detrás da chuva diga o nosso nome, mas e se ele nos renega? E se o abismo para onde escorre a água, para onde não ousamos olhar, mas que olhamos por instinto, nos olhar de volta e nos fazer nos jogarmos nele pelo fascínio causado pelo encantamento com a escuridão? Certo dia me disseste que o sucesso exige a queda e eu te rebati dizendo que é a queda que exige o sucesso - e é mesmo.

Mas hoje eu não quero provar nada. Para ninguém. Quero declamar a poesia sem palavras, ouvir a melodia sem som, quero continuar amando a mulher que só existe nos meus sonhos - mas teria coragem de vender a alma que não mais tenho para tê-la em meus braços -, quero continuar me maravilhando com aquele lugar lindo para o qual nunca fui, quero rir daquilo que não teve graça e chorar por aquilo que nunca me magoou. Quero morrer apesar de nunca ter vivido - ou será que eu gostaria de viver apesar de nunca ter morrido? Por qual motivo não poderia dançar com Lilith sob a luz da lua? Ah se eu tivesse ainda uma alma...

2 comentários:

  1. Teria certo receio de comentar qualquer coisa que seja sobre o texto se, de certa forma, não acreditasse que todos nós não passássemos, ora por momentos de tão lúcida insensatez, ora por momentos de tão insensata lucidez. Quem me dera eu poder materializar desta forma estes meus momentos.

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  2. Bondade sua, meu caro Paulo, bondade sua - o fato é que nem mesmo eu saberia explicar se eu fui lucidamente insensato ou insensatamente lúcido quando eu escrevi isso...

    abraços

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