sábado, 6 de junho de 2009

Cuba e a OEA

(Foto retirada daqui)

Cuba, como os senhores sabem, é um pequeno país localizado numa ilha caribenha. Não deixa de ser curioso, no entanto, como um país tão pequeno, resumido a limites geográficos, populacionais e economicos tão severos possa ter tido tanta influência nos últimos cinquenta anos quanto ele. A Revolução Cubana de 1959 foi o evento mais espetacular ocorrido no Continente Americano desde as guerras de independência contra as potências europeias no século 19º; pela primeira vez desde o assentamento do processo de independencia dos países da região, o sistema continental sofrera um abalo: A velha ordem que tinha os EUA como potência regional e as demais economias, exceto talvez o Canadá, funcionando de maneira praticamente colonial voltada para seu mercado, foi abalada pela primeira vez.

A importância simbólica da Revolução Cubana para os países da América Latina foi enorme; ela materializava o velho sonho de se criar um sistema que atendesse às demandas sociais por meio da distribuição de renda e da não-subserviência aos interesses americanos - que, no fim das contas, apenas substituiu as potências europeias na região. Para o mundo, ela foi uma luz que apontava para a possibilidade de pequenos países, não grandes impérios decadentes ou países de porte médio e com algum capital, poderiam, por si mesmos, se libertar da sombra de um sistema internacional opressor.

Para a esquerda, era a possibilidade de ver a Revolução finalmente triunfar, na medida em que as condições políticas, sociais e culturais da ilha poderiam permitir a criação de um socialismo inventivo e libertário que não teria sido possível de existir ainda dadas as condições em que transcorreram os processos revolucionários em países como a União Soviética e a China. Era da Revolução guiada pelos jovens rebeldes e intelectualizados de Cuba que nasceria o Homem Novo. Por conta desses fatores, Cuba se confundiu com sua Revolução nas últimas cinco décadas; a ilha se tornou um gigantesco símbolo.

Em 1962 ocorre a expulsão de Cuba de uma OEA controlada, como era de se esperar, pelos EUA sob a alegação de ter enviado guerrilheiros para a Venezuela - ironia das ironias, os EUA naquele período tentava de todas as maneiras reverter o processo revolucionário cubano, inclusive financiando mercenários para tanto, como expõe o tétrico episódio da Invasão da Baía dos Porcos ocorrido um ano antes. Em decorrência disso, Cuba se aproxima cada vez mais dos países do Bloco Socialista e o Governo de Castro se perpetua; o país progride sob a égide da ajuda soviética especialmente durante os governos de Khruchëv e Brezhenev.

Cuba enfrentou com vigor a crise da dívida do início dos anos 80, mas a crise que deu na queda da União Soviética no período que vai do fim dos anos 80 até o início da década de 90 levou o país à beira do colapso. Eis aí que o sucesso da Revolução de 59 se afirma no plano político; fosse ele um mero fruto da atuação de um pequeno grupo mediante que se manteve mediante a força e o país teria se fragmentado como aconteceu com seus pares pelo mundo. Isso, entretanto, não quer dizer que o período tenha sido fácil para os cubanos, muito pelo contrário, o país paralisou e piorou muito. Os ganhos sociais dos últimos trinta anos sofreram revezes e o país teve de se fechar para sobreviver.

A sorte da ilha começa a mudar graças às mudanças sofridas na América Latina no mesmo período. Os governos direitistas simpáticos aos EUA - e ao Consenso de Washington - eleitos na esteira do fim das ditaduras militares fascistas alimentadas por Washington, fracassaram economia; disso decorre uma avalanche de eleições de governos esquerdistas no continente, desde Hugo Chávez na Venezuela até Lula no Brasil, passando por Morales na Bolívia, o que desemboca no quadro disparadamente mais favorável para a Cuba na América Latina em cinquenta anos. Tais governos decorrem de movimentos populares que, em maior ou em menor grau, tinham na Revolução de 59 uma inspiração. Esse é o ponto em que a retorno de Cuba para o sistema interamericano passa a ser possível.

A Crise Americana deflagrada no Governo Bush conjugada com tal cenário gera o que parecia impossível há vinte anos atrás na América Latina; a possibilidade dos Estados da região estarem, talvez pela primeira vez na história, livres da subordinação massacrantes da alguma potência estrangeira. É aí que aconteceu aquela curiosa cúpula da América Latina e do Caribe na Bahia com a participação de Cuba. Na atual conjuntura, não é mais possível, tampouco lógico, manter Cuba fora do que quer que seja. Mesmo que as autoridadas cubanas permaneçam céticas e procurando dar um passo de cada vez, é provável que o próprio embargo econômico americano esteja próximo do fim, o que provocaria as maiores mudanças do país desde o fim do bloco socialista.

No fim das contas, isso trará à tona todas as implicações da Revolução Cubana em toda a sua complexidade; para além do sonho ou do pesadelo que alguns em que alguns insistem em enquadra-la, o que resta é o fato de que a mesma Revolução que trouxe à baila a questão social no debate político latino-americano é a mesma que resultou num Estado burocrata ao estilo do Leste Europeu - ainda que não tão bizarro quanto -; a mesma Revolução que desembocou em políticas para educação e saúde nunca antes vista no continente é a mesma que resultou na perseguição a intelectuais e homossexuais nos anos 60. Não podemos perder essa ambiguidade da Revolução Cubana do nosso horizonte visual para não repetirmos seus erros ou deixarmos de partilhar de seus avanços. Para além disso, não se pode negar que a inclusão de Cuba no sistema interamericano é fundamental para a sua própria legitimidade e para o bem da ilha.

Atualização de 07 de Junho às 13:48 - O Marcos D. postou algo a respeito e fizemos uma tabelinha.

6 comentários:

  1. Excelente texto, Hugo!

    Inspirado por ele, escrevi um outro, lá no meu blog.

    Link:

    http://guerrilheirodoentardecer.blogspot.com/2009/06/cuba-oea-e-as-forcas-democraticas-e.html


    Abraço

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  2. Ótimo texto, Hugo, que aborda com propriedade não apenas as implicações históricas e geopolíticas das consequências da Revolução Cubana, mas que toca no ponto distintivo do caso cubano - a sua rica ambiguidade, que, como você assinala, não podemos perder do horizonte, "para não repetirmos seus erros ou deixarmos de partilhar de seus avanços".

    Trazendo o assunto mais para a minha praia - o cinema - é altamente significativo que os filmes cubanos tenham conseguido, um tanto à revelia do ao longo do tempo oscilante grau de repressão e censura, refletir tal ambiguidade não apenas no âmbito temático, mas - o que é mais raro e difícil - em termos formais. É o caso, por exemplo, de duas das grandes obras-primas da quantitativa e qualitativamente relevante produção da ilha.

    "Memórias do desenvolvimento", dirigida por Tomás Gutiérrez Alea em 1968, ocupa lugar privilegiado no panteão dos grandes filmes latino-americanos com uma narrativa que - a exemplo do que "Terra em transe", de Glauber Rocha (1967), faria num contexto pós-golpe militar - interroga a posição do intelectual numa sociedade pós-revolução socialista e coletivista. Com alto grau de ousadia formal, o filme tematiza a ambiguidade do regime (e a questão da subjetividade em tal contexto), em relação ao qual é ferozmente crítico sem deixar de reconhecer seus méritos.

    Outro filme obrigatório para uma discussão do que foi a Cuba pós-revolução é "Soy Cuba", dirigido pelo russo (na verdade, georgiano) Mikhail Kalatozov em 1964. Rejeitado tanto pelo público cubano quanto pelos soviéticos, a película amargaria décadas de ostracismo até ser redescoberta e restaurada por Martin Scorsese e Francis Ford Coppola em 1995, permitindo às novas gerações tomar contato com um dos mais virtuosísticos espetáculos visuais da história do cinema - devido, sobretudo à sublime fotografia de Sergei Urusevsky. Com alto grau de elaboração narrativa, o filme - apesar de possuir como defeito incontornável um roteiro que jamais alcança o alto nível de resolução dos quesitos técnicos - tensiona diversas questões relativas ao transculturalismo e ao imperialismo cultural, bem como à historiografia e à estética.

    É realmente surpreendente que uma minúscula ilha do Caribe, a 120km do poderoso inimigo norteamericano, tenha produzido uma histórica política tão rica, dando-se ainda ao luxo de dar luz à uma cultura - literária, cinematográfica, plástica, musical, esportiva - à altura de sua façanha histórica.

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  3. Maurício,

    Belo comentário. É curiosa essa relação paradoxal que há em Cuba entre a produção cultural espetacular e a censura que há no país.

    Como um país tão pequeno pode produzir tanta cultura? Porque tem um regime que invariavelmente trata educação pública como prioridade - e eu estou falando de uma educação capaz de fazer as pessoas pensarem, diferentemente da lavagem cerebral soviética ou chinesa -, mas que por outro lado não conseguiu desenvolver um ambiente onde os direitos e liberdades individuais estivesse garantidos, o que tolhe a sua própria produção intelectual e artística - talvez porque tenha se espelhado em demasia no estatismo soviético que em plenos anos 50 já estava ultrapassado.

    Esse paradoxo, claro, é só um dos muitos que permeiam Cuba, um lugar que não é o paraíso que seus defensores imaginam, nem o inferno que seus detratores desenham; no que toca o Brasil, curiosamente, a esquerda defende a ilha pensando apenas em suas virtudes e a direita, fazendo o mesmo, a ataca - essa é a moral da história nos debates sobre Cuba em Pindorama.

    abração.

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  4. Pindorama,onde eu posso encontrar esse filme?

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  5. AF STURT: Mande um e-mail para o Maurício, ele certamente te dará a dica.

    Um abraço

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