sábado, 7 de fevereiro de 2009

A "Despedida" de Mino Carta

Um dos fatos que repercutiram mais pesadamente na blogosfera brasileira na última semana foi a "despedida" do jornalista Mino Carta, uma das maiores lendas do jornalismo brasileiro, diretor de redação da Carta Capital e criador de boa parte dos semanários que nós conhecemos. Ao contrário das maiores revistas - muitas das quais idealizadas por Mino - e jornais do Brasil, a Carta optou por uma linha de apoio ao governo Lula - e isso não vai em tom de crítica, muito pelo contrário, é uma reles constatação desse humilde escrevinhador que acredita tanto em imparcialidade quanto em duendes e que sabe que muito bem que o discurso jornalístico é, no fim das contas, só uma espécie de discurso político, a Carta, diga-se, nesse sentido sempre foi bastante transparente.

Segundo suas próprias palavras, Mino se aposenta definitivamente do blog e deixará de escrever na Carta temporariamente em virtude de um extremo desalento e uma frustração com o Brasil bem como uma certa decepção com o governo Lula, a quem acusa de ter promovido uma conciliação muito além de suas expectativas. Convenhamos, para alguém que até poucos meses defendia caninamente o governo, ele não parecia estar às vias de romper com ele. Daí ele emenda:

O balanço de seis anos de Lula no poder não é animador, no meu entendimento. A política econômica privilegiou os mais ricos e deu aos mais pobres uma esmola. Há quem diga: já é alguma coisa. Respondo: é pouco, é uma migalha a cair da mesa de um banquete farto além da conta. O desequilíbrio é monstruoso. Na política ambiental abriu a porta aos transgênicos, cuidou mal da Amazônia, dispensou Marina Silva, admirável figura, para entregar o posto a um senhorzinho tão esvoaçante quanto seus coletes.

Aí, ele enfia os pés pelas mãos. Lula nunca foi comunista na vida, nem nunca vendeu isso. Sempre foi um social-democrata e Mino sempre soube disso muito bem. Dentro do campo do capitalismo, no entanto, sua política é exitosa. O Índice de Gini brasileiro em 2008 ficou na casa de 0,50, enquanto no ano 2000 era de 0,56, portanto, o Brasil ficou menos desigual durante o governo Lula. Claro, a desigualdade ainda é grande, mas a dificuldade política em diminui-la também é, por outro lado, como diminui-la dentro da lógica do capitalismo? Talvez com um política social-democrata, onde o residual empregado em capital humano pode ser maior, como está ocorrendo agora, mais que isso, só por meio de uma Revolução - que nem o PCI de Mino fez na Itália como veremos adiante. No entanto, quem lê o texto supõe que houve retrocessos sociais no país, enquanto não houve. Aí ele cola no mesmo parágrafo junto com essa avaliação, um fato concreto: A péssima política ambiental do governo, o que, na prática, visa emprestar credibilidade ao fato questionável, algo manjadíssimo.

Faz mais alguns questionamentos e lembra da eleição de Sarney e de Temer para as casas do Congresso Nacional, o que eu louvo, mas esquece de fazer uma crítica ao sistema eleitoral que é quem em último caso forja parlamentos cada vez mais bizarros e partidos cada vez mais fracos, até que chega no ponto crucial do texto:

Em um ponto houve melhoras sensíveis, na política exterior. E aí vem o caso Battisti.

Muito bem, o texto poderia se resumir a Battisti. É incrível como Mino dá voltas e voltas para chegar no tema Battisti. O bendito conterrâneo de Mino, condenado na Itália por ter supostamente cometido assassinatos agindo por um grupo guerrilheiro nos anos 70 e que se refugiu na França anos 80, onde virou escritor de sucesso até o momento em que, às vias de ser extraditado, fugiu pelo mundo e veio parar no Brasil há alguns anos é, no fim das contas, o motivo da discórdia.

Battisti foi preso pela PF e o governo italiano passou a exigir sua extradição. O fato é que segundo a Constituição Federal (art. 5º, LII) e a jurisprudência firmada pelo STF, o Brasil não pode extraditar pessoas por conta de crimes políticos ou crimes conexos a crimes políticos; enfim, quando o Ministro da Justiça deu status de refugiado político a Battisti, agiu dentro da lei. No entanto, a isso se seguiu uma reação brutal e mal-educada do governo italiano contra a decisão brasileira.

Mino reagiu contra isso de maneira tão incisiva quanto o governo de Berlusconni. Por trás de tudo, estão os eternos anos 70 italianos, quando o PCI capitulou à luta revolucionária de vez e, no chamado Compromisso Histórico, fez um acordo com os Democratas Cristãos. Para selar a paz, entregou-se a cabeça de peixes pequenos da luta armada italiana - que não raro eram manobrados por gente do PCI - com cujo sangue se assinaria o acordo. O Fato é que muitos como Battisti fugiram para a França e foram beneficiados pela doutrina Mitterrand, que dava asilo aos ex-combatentes - que mais tarde foi, digamos, reinterpretada depois de intensos debates no Conselho de Estado francês, o que poderia resultar em sua extradição e gerou a nova fuga de Battisti.

Teria Battisti matado as quatro pessoas ou não? Para a lei brasileira não importa, seriam crimes políticos do mesmo jeito. Mesmo que isso fosse relevante, a maneira como foram conduzidos os processos naquele país, também não ajuda a saber a verdade - Battisti foi condenado no fim das contas por conta de um ex-membro do seu grupo que o "denunciou" num esquema de delação premiada.

Do que Mino está reclamando então? Para alguns italianos como ele, os anos 70 nunca acabaram e Battisti deveria ter sido entregue ao governo italiano para honrar o pacto político que houve na Itália da época - ou seja, põe o debate jurídico de lado. O fato é que ele se sentiu francamente traído pelo governo Lula por conta disso e aí veio o rompimento.

Não, não foi correto da parte dele e soou no mínimo pueril a motivação por trás de sua argumentação, o que é lamentável para uma pessoa com o seu histórico. O fato é que o debate sobre Battisti tem de ser debatido fora da política de uma vez por todas e ir para o campo do jurídico, onde, não resta dúvida, ele tem direito ao asilo.

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