sábado, 21 de fevereiro de 2009

Breves ponderações sobre a natureza do Crime

Uma das questões sociais mais delicadas é definir o que seria um crime ou não. Na visão de um leigo, Crime seria aquilo que vai contra a lei. Não é preciso ir muito longe para perceber que isso é uma definição simplória, afinal, nem tudo que vai contra a lei é necessariamente crime, na medida que isso pode ser uma mera perturbação social - uma contravenção - ou algum tipo de infração menor pertecente ao campo privado - como a inobservância de um direito disponível contido numa cláusula contratual.


À luz da dogmática penal brasileira, prevalece a divisão bipartida, onde as infrações penais - infrações à lei passíveis de pena - se dividem entre delitos e contravenções, diferindo, portanto, de alguns países como França, Alemanha e Bélgica, que usam a divisão tripartida - crime, delito e contravenção. A contravenção, considerada como crime menor, na verdade não poderia ser qualificada como tanto, na medida em que se trata apenas de uma perturbação social passível de punição. Restaria ao delito penal ser a figura que abarca o crime, ainda assim, estamos apenas tateando no escuro: O delito penal é o crime previsto - isto é, tipificado - no código penal, mas o que isso quer dizer?

Em primeiro lugar, quer dizer que a lei prevê uma espécie de conduta genérica considerada como delito e que essa deve ser punida. Como prescreve o artigo 1º do nosso Código Penal, "não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem a prévia cominação legal". Em suma, isso tem a função de salvaguardar os direitos e garantias do cidadão - impedindo que alguém seja condenado por um crime inventado aleatoriamente ou seja punido por pena de tal sorte. Tal doutrina é fruto do iluminismo e foi feita para pôr fim aos julgamentos absurdos da Idade Média que ainda persistiam em plena Idade Moderna.

Do ponto de vista da teoria clássica e do juspositivismo, o problema já estaria resolvido por aí, no entanto, como a realidade insiste em ser mais complexa que a teoria e a História insiste em não parar, lembro aqui de um fato que é um verdadeiro pesadelo para os juspositivistas: Os crimes nazistas ao longo dos anos trinta e quarenta. Do ponto de vista clássico e depois juspostivista não poderiam ser crimes, quando na verdade, qualquer pessoa de intelecto limítrofe sabe que aquilo que eles cometeram eram crimes e que a condenação deles era justa mesmo que o fizeram estivesse de acordo com ordenamento jurídico alemão vigente à época, mesmo que o tribunal de Nurembeg tenha sido criado depois após os fatos terem acontecido e, por fim, mesmo que o crime de genocídio tenha sido tipificado depois que ele aconteceu.

É um violento paradoxo: A construção cultural que desde o Século das Luzes visava impedir a barbaríe falhou porque o ideal legalista sobre a qual se assentava serviu para acobertar os mais hediondos crimes da história da humanidade. O erro? A pretensão de pôr a realidade social em função da realidade jurídica, a tentativa insana de separar o Direito da Ética e a iracionalidade que significa tentar tornar o Direito um fim em si mesmo e não meio para se realizar a Justiça.

Os crimes que os Nazistas cometeram estavam lá o tempo inteiro, não precisavam estar em um código ou em uma lei, ignorar isso, seria ir de encontro à Justiça, o que causaria a simples implosão da razão de ser do Direito. Daí, me resta explicar o que seria o Crime afinal de contas, então afirmo: O Crime é um desrespeito, seja por omissão ou por ação, dos princípios minímos éticos fundantes da sociedade e de cuja observância depende a agregação do tecido social. Em suma, o Crime está aprioristicamente no campo da Razão - se contrapondo a ela -, mas especificamente no campo da Ética e só depois no campo do Direito, posto que trata de princípios tão primordiais que sua observância deve ser garantida por meio de sanção.

Isso expõe algo assustador: O mandamento do cumprimento sistemático da Lei é falacioso porque, em determinados momentos, descumpri-la é necessário para não se tornar um criminoso. A lei positiva nada mais é que um discurso normativo resultante do embate político na interior de uma sociedade, não raro, ela atenta contra os próprios princípios éticos que deveria proteger. Com isso não pretendo desconstruir o Direito Positivo como um todo, mas sim lembrar, à luz dos fatos, que ele está submetido à Razão e tem por finalidade a realização da Justiça, em outras palavras, é necessário jamais esquecer de não se dogmatizar a Lei, sempre considerar a questão da axiologia da norma para colocar o Direito Positivo em seu devido - e justo - lugar, minimizando os seus defeitos pelo menos.

Por fim, o que eu escrevi aqui não simplifica as coisas, mas vai aí uma dica: Não será o Direito que salvará o mundo, quem sabe a Filosofia...

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